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Agora é a vez do câncer entrar sem pedir licença

  • Beatriz Jardim Psicóloga
  • 18 de ago. de 2017
  • 4 min de leitura


Quem me conhece sabe da minha paixão pela psicologia hospitalar e tudo que a envolve. Meu interesse pela área surgiu antes mesmo da graduação e isso se estendeu por longos anos até aqui. Ao estuda-la, pude comprovar a importância dos profissionais da psicologia dentro desse contexto e em práticas que envolvem sofrimentos associados a enfermidades e então percebi o quanto mente e corpo são dissociáveis.


Para refletir sobre, eu pergunto: Qual dor dói mais, a dor do corpo ou a dor da alma? Eu insisto em dizer que uma dor leva a outra, e que precisamos cuidar de ambas.


A Psico-oncologia surgiu na minha vida por uma questão pessoal e a partir dela eu pude me aprofundar em estudos, no objetivo de um dia poder atuar utilizando-a, e ela me fez conhecer mais uma paixão: os cuidados paliativos. Hoje tenho o prazer de aplica-los em meu trabalho. Hoje eu tenho o prazer de ajudar a proporcionar maior qualidade de vida a aquele que sofre com uma doença que ameaça a sua vida. Ontem fiz um curso de Psicologia Hospitalar e Psico-oncologia que me fez refletir sobre muitas questões, tive o contato com conhecimentos novos e outros já conhecidos, que vem de encontro com a minha visão e que quero passar um pouquinho para vocês.

Acredito que todos nós conhecemos alguém que já teve ou tem câncer, seja alguém da família, algum amigo, colega de trabalho, vizinho, etc. Muitas pessoas são acometidas por essa doença, que chega muitas vezes sem dar aviso, sem pedir licença. E junto dela, vem um sofrimento imenso. Sofrimento pelo diagnóstico, que muitas vezes é visto como uma sentença de morte (o que se dá devido ao fator cultural), sofrimento pelo choque de perceber-se como um ser frágil, adoecido. Pelas mudanças que ocorrem para que essa pessoa se submeta a um tratamento oncológico, como a reorganização da rotina, da dinâmica familiar, dos papeis que muitas vezes podem ser invertidos.


Para exemplificar, imagine um homem que recebe um diagnóstico de câncer, que é pai e provedor da família e acaba tendo que parar de trabalhar para se submeter ao tratamento oncológico e a família tem se reorganizar a partir disso, a mãe tendo que largar seus afazeres para cuidar do marido, a filha jovem tendo que largar a faculdade para trabalhar e ajudar financeiramente, a prima distante tendo que cuidar do filho mais novo do casal enquanto eles se revezam para dar conta das outras coisas, esse é um exemplo dentre tantos outros que podemos pensar, entre tantos outros casos reais que existem, que acontecem e que podem acontecer conosco. Ninguém adoece sozinho, adoecemos com a família, com os amigos, com a equipe de saúde, com quem a gente tiver ao nosso lado.


O sofrimento é único, cada um tem o seu, porém temos que levar em conta que quando existe um diagnóstico de uma doença grave, o cuidado deve existir não só com o paciente, mas também com as pessoas que estão ao seu redor. O sofrimento também se dá pelo estigma social que esse diagnóstico acarreta (estigma que pode as vezes doer mais do que a própria doença) e por entrar em contato com a finitude, que é algo que ignoramos em nosso dia-a-dia. Ninguém vive pensando que vai morrer até se deparar com alguma situação que o lembre disso. Por ser um tabu falar de morte, é um tabu também pensar na morte e encará-la como algo concreto. Diante de todo esse processo, existe o luto antecipatório, que é esse pensamento de que se pode perder a vida, que a saúde física está sendo perdida, que o emprego ou o casamento se perdeu, que as perdas são reais.


Apesar de todo esse sofrimento que eu apresentei, existe ajuda, existem possibilidades, que por vezes podem ser de cura, mas em todo caso, são possibilidades de lidar melhor com a situação, possibilidade de alívio de sintomas e de melhor qualidade de vida. Apesar do câncer causar sim muitas mortes, existem cada vez mais casos de pessoas que são curadas e isso também deve ser levado em consideração para que exista um enfrentamento melhor diante da realidade que é imposta.


Existem profissionais que podem ajudar a enfrentar essa vivência e para ajudar a fazer dela, um ponto de mutação. Muitas pessoas ressignificam suas vidas quando se dão conta que a morte pode chegar para elas a qualquer momento. Podemos pensar que nós, enquanto profissionais de saúde, podemos oferecer um remédio possível no tratamento do câncer, independente do estágio clínico em que ele se encontra, podemos oferecer o melhor de nós, cada um em sua área. Podemos oferecer escuta, calor humano que independe de contato físico, podemos oferecer verdade, olho no olho, suporte para acolher a angústia desse paciente, seja qual for ela, sensibilidade para compreendê-la, conhecimento para manejá-la, considerando sua dor física, emocional, espiritual.


Diferente da área clínica, em que o paciente nos procura, na área hospitalar na maioria das vezes nós é que procuramos pelo paciente, e temos que ter um olhar apurado para entender que ele está passando por um momento delicado e que por vezes pode não querer falar sobre isso, pelo menos naquele momento. É preciso exercitar muito a empatia, paciência para esperar o tempo do paciente, para se mostrar à disposição para quando ele estiver pronto e cuidado, pois como diz Perdicaris “as palavras, o olhar e o silêncio podem ser mais cortantes que o mais afiado bisturi ou mais analgésico que o mais potente entorpecente”.



As vezes o caminho pode ser pesado, podemos ter a sensação de que não temos mais forças para continuar, porém, há sempre uma brisa leve a bater no nosso rosto, há sempre uma mão estendida para ajudar no caminhar, há sempre uma forma de viver melhor, mesmo em meio a dor.


Beatriz Jardim

Psicóloga

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Dra.

Amanda Soares

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